domingo, 24 de julho de 2016

Não somos também nós mães guerreiras?

Hoje escrevo por mim, pela Cristina, pela Irene, pela Paula, pela Rosa, pela Celina, pela Patrícia, pela Ana, pela Sandra... E por tantas outras mães.
O que nós temos em comum? Perdemos um filho. O que nos une entre nós e nos afasta do resto da sociedade? Os nossos filhos nasceram sem vida, ou morreram logo à nascença. Não há "respeito" para esta classe de pais. Nós temos que olhar para frente e continuar a nossa vida, como se nada tivesse acontecido. Muitas de nós perdem os seus filhos dias antes da data prevista, como foi o meu caso, mas mesmo assim, para a sociedade não é nada de mais, afinal eu nem lhe tive ao colo, eu nunca a vi com vida... Porque chorar a morte de quem "não existiu"? O que todos esquecem é que ela existiu. Teve vida dentro de mim durante 40 semanas e 2 dias. Eu a pari, sozinha, sem a intervenção de ninguém. Eu ouvi o barulho surdo que o corpo dela fez ao cair na maca, porque não a seguraram no momento da expulsão. Eu andei semanas e semanas com sinais recentes de ter sido mãe, no entanto, não tinha a minha filha comigo.
Quando conto a minha história, é como se estivesse a contar a história de tantas outras mães que passaram pelo mesmo que eu.
Chamam as mães guerreiras aquelas mães que têm os seus filhos com cancro. Não imagino a dor delas. Não consigo conceber o que é quando uma equipa médica diz que não há nada a fazer pelos seus filhos... É duro, muito duro.
Mas também é duro considera-se uma armadilha para bebés. Porque eu não sei quando o meu corpo traiu a minha filha. Não sei quando o corangioma apareceu, nem como se deu a trombo vascular nem  o extenso enfarte... Aconteceu tudo dentro de mim e nunca me foi dada a oportunidade de lutar pela Leonor, nem dela própria lutar pela sua vida.
Eu voltei a engravidar, sabia mais ou menos o que combater, mas graças a tudo que passei na gravidez anterior, andei durante a maior parte tempo do com o coração nas mãos, pois nada me garantia que não pudesse acontecer outra vez. Injeções, medicamentos, repouso... Cada semana era uma vitória.
Agora, respondam-me, não sou também eu uma mãe guerreira? Também eu não fui ao inferno do que é perder um filho? A vida da minha Leonor, da Júlia, do Pipo, do Tomé, da Alice, da Clara e da Elisa, da Leonor, da Mónica, valem menos do que a vida dos outros meninos que lutam contra o cancro? Somos menos guerreiras que as outras mães?
Eu dava tudo para ter visto a minha Leonor com vida, que me tivesse sido dada a oportunidade de me despedir dela... Que ela tivesse tido direito a existir enquanto cidadã, que me tivessem dado tempo para decidir se queria de facto crema-la ou se queria pô-la ao pé dos bisavós... Não pude fazer nada disso e no entanto, estou aqui.
Não mereço ser também eu uma mãe guerreira?

Beijinho Pipocas... Daqui até ao céu!


terça-feira, 19 de julho de 2016

A Prima dos Dois Lados

O papá, tu e o mano têm uma prima dos dois lados, a prima C.
No ano em que eu e o papá começamos a namorar, ela casou-se, pelo que o papá falou um bocado dela, contou que ela era filha de um irmão da avó Noémia, o tio J., e de uma irmã do avô Augusto, a tia Maria Leonor. Sim Princesa, te chamas Maria Leonor porque o papá quis fazer uma homenagem à tia, que também é madrinha do papá, junto com o tio J.
Não consigo explicar bem o porquê, talvez por ser a prima com quem o papá tem mais afinidade, simpatizei com ela, mesmo antes de a conhecer.
No ano em que nasceste, o tio J. veio cá ( eles não vivem em Portugal) e trouxe lembranças para ti... É tudo tão lindo! Chorei tanto ao abrir cada coisa, já havias partido e era tudo tão injusto... A prima C. enviou um postal, que guardei no meu quarto, ao pé de mim, junto com os outros "tesouros" que tenho teus.
O tempo passou, a mamã engravidou do mano e, adivinha... A prima C. também estava grávida de um rapaz! 
As nossas DPP eram próximas, ela no início de Junho, a mamã no início de Julho, mas o primo G. armou-se em preguiçoso e nasceu no dia 19/06, dois dias depois dos anos da mamã. E no dia 26/06 descobrimos que o mano ia nascer no dia 29/06... A parte engraçada disto tudo está em:

- O papá e a prima C. nasceram no mesmo ano, a prima no início e o papá no final;
- Foram ambos pais de dois rapazes, que não satisfeitos em nascer no mesmo ano, decidiram nascer no mesmo mês e só com 10 dias de diferença. :P

Durante a gravidez a mamã e a prima C. trocaram algumas mensagens e depois dos rapazes nascerem também, tanto quanto o nosso tempo permitia.
Quando começamos a planear o aniversário do mano, decidimos convidar a prima C., o primo M., o primo G. e o tio J., e eles vieram :)
A mamã finalmente pode conhecer a prima C. e ela excedeu as expectativas... Mais uma vez, não consigo explicar, e sei que em uma semana conheci uma ínfima parte dela, mas sabes aquele feeling que a mamã sentiu quando conheceu o papá ou a tia Paula? Senti o mesmo em relação à prima C. Não sei como, e até posso estar errada, mas senti que ela também seria "para sempre", uma constante nas nossas vidas, não só por ser vossa prima, mas porque tinha conquistado o lugar dela na "nossa" família, tinha conquistado o lugar dela em mim. Tendo em conta a distância física que nos separa, ainda não descobri como, mas simplesmente sei que eu e a prima C. ainda vamos ser grandes amigas.
Os doutores que tratam da mamã enfatizaram ambos que, quando me sentisse preparada, eu conseguiria dar algumas coisas do teu enxoval, e que seria um grande passo de avanço no meu luto. Até aqui a ideia me parecia totalmente descabida, cheguei mesmo a dizer que tal seria impossível, talvez o dia que eu fechasse os olhos para sempre, o mano já seria crescido, e ele sim tratava do teu enxoval.
Havia uma botinha, que a mamã comprou uns dias antes de nasceres, que decidi aproveitar para o mano. Era castanha, com pelinhos por dentro, bem quentinha... Acontece que o teu irmão tem o termostato avariado como o da mamã, sente demasiado calor, mesmo no inverno... Quando as botinhas lhe servissem, mesmo que estivéssemos em Dezembro, acho pouco provável que ele deixasse aquilo estar nos pés.
Um dia antes dos primos voltarem para casa, lembrei-me das botas. E pareceu fazer todo o sentido, era muito claro para mim, aquelas botinhas deveriam ser para o primo G. Onde eles vivem faz frio que justifique algo tão quente, e o primo G., por ser filho da prima C., neto da tia Maria Leonor, é também um pedacinho de ti... Por tanto, a primeira peça do teu enxoval que a mamã conseguiu dar tinha que ser  para ele.
E sabes de uma coisa? Os doutores tinham razão. Após ter dado o par de botas, não senti que te estivesse a trair, ou que estivesse a desfazer-me das tuas coisas para esquecer de ti... Não. Acima de tudo e como tudo que te envolve, senti amor. Amei-te mais ainda, como se tal fosse possível... E senti que estavas feliz. Por mim, por ti e por nós.
Acho que a prima C. não tem a noção do quanto tudo isso foi importante para mim, ou do quanto eles se tornaram especiais para nós.
Não sei se consegues estar com a tia Maria Leonor, não faço ideia do que se passa connosco quando partimos desse mundo... Mas se conseguires, dá um beijo enorme na tia Leonor, e diz também que ela está de parabéns, tem uma família linda <3

Amo-te muito, Pipocas...

Um beijinho da mãe, daqui até ao céu!... <3