segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

A primeira pessoa...

Escrevi este texto há quase dois anos... Hoje, e porque agora "conheço" a pessoa em questão, fez sentido ir  buscá-lo ao sítio onde o tinha escondido.

01/ 04/ 2014.

Acho que são três da manhã... Não sei, perdi a noção do tempo desde que aqui estou. O Sérgio dorme, a minha mãe vem a caminho, e eu ainda não compreendo bem tudo o que se está a passar.
Soubemos há poucas horas que a Leonor morreu. A minha filha morreu. Neste momento estou deitada numa cama de um hospital à espera de parir a minha filha. A minha filha que está morta, dentro de mim.
Sou incapaz de por a mão na barriga. Sei exactamente onde está o corpo dela, mas não sou capaz de por a mão na barriga. Ninguém me avisou que os bebés morriam. Ninguém me avisou que eles poderiam morrer ainda na barriga da mãe. No primeiro trimestre sim, eu sabia que poderia acontecer, mas agora, com 40 semanas... Ninguém me disse nada.
Neste momento sinto-me incapaz de chorar, não estou em mim... É tudo demasiado surreal para ser verdade...
Acabei de ler uma reportagem. Afinal, parece que os bebés morrerem dentro da barriga das mães acontece, e mais vezes do que eu pensava.
A força daquela mãe, chama-se Sandra. E a bebé, a Mónica. Já lá vão 5 anos que a menina dela morreu, e ela age como se o facto de a Mónica não estar cá fisicamente fosse um "pequeno" detalhe. Já tem outro filho, um filho vivo. Gostava de um dia conseguir ser como ela, gostava de conseguir transformar toda essa dor em amor eterno pela minha filha. Pode parecer estúpido, mas ler a história dessa mãe deu-me esperanças... Faço mais ou menos ideia do que me aguarda, mas apesar de tudo, tenho esperança de um dia voltar a sorrir, de voltar a ser mãe.
Não queria passar pelo parto normal, mas dizem que é o melhor para mim... O que vou fazer com o corpo dela? Será que posso doar para estudo? Será que somos obrigados a enterrá-la? Não quero autópsia. Não quero que mexam no corpo da minha filha.
Não sei se lhe quero ver... Quero dizer, eu quero, mas não sei se sou capaz... Vou ter que devolvê-la... Não me vão deixar ficar muito tempo com a minha filha morta nos braços... É melhor não ver. Não sei o que o Sérgio quer.
Estou cansada, mas não consigo dormir... A minha cabeça não pára. Como vou contar as pessoas? Tenho que contar, não é? Porque estão à espera que ela nasça, antes que me perguntem, é melhor eu dar a notícia...
A minha filha morreu. A Leonor morreu, dentro de mim. O que eu fiz de errado? Como isso é possível? Ela estava bem...
Gostava de conhecer essa mãe, a Sandra... Talvez ela me ajudasse a compreender tudo isso que sinto... "

Hoje fazem 10 anos que a Mónica partiu.
Hoje, como disse acima,"conheço" a Sandra. E acho que ela não faz ideia de quantas vezes li o depoimento dela no meio da minha angústia, porque eu precisava de algum alento, e eu ali encontrava... Sabia que tinha um caminho longo a percorrer, mas que iria voltar a ser mãe, iria voltar a ser feliz... Incompleta, para sempre... Mas feliz. Tenho um carinho especial pela Mónica... Gosto de pensar que ela ajudou a minha Nô quando ela chegou ao sítio especial delas...
Sinto muito pela Sandra ter perdido a Mónica... Mas talvez fosse esse o legado delas. Talvez a missão delas seja ajudar mulheres como eu a encontrar alguma esperança. Não é uma tarefa fácil... Mas é uma tarefa nobre.

Beijinho Pipocas...
Beijinho Mónica...

Daqui até ao céu!... <3

1 comentário:

  1. Eu também não quis ver minha Letícia (minha primeira filha que nasceu já sem vida), quando soube que ela estava partindo eu implorei a Deus para deixa-la comigo, mas Ele não quis, então pensei: ela não é minha, ela é um anjo, tão puro, não tenho direito de ver ou tocar. Meu marido respeitou e tbm não quis ver.

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